A demanda interna de produtos siderúrgicos tem dado sinais de recuperação, mas ainda está longe de recuperar das perdas acumuladas a partir de 2014
Por Ricardo Torrico
Registrando números positivos, porém modestos, a indústria siderúrgica nacional tem refletido a tendência de recuperação da demanda de todos os setores que, em menor ou maior grau, utilizam o aço em suas respectivas cadeias de produção. De acordo com as estatísticas consolidadas pelo Instituto Aço Brasil (IABr) e divulgadas no final de janeiro, em 2017, a produção de aço bruto foi de 34,4 milhões de toneladas, o que representa um crescimento de 9,9% sobre a produção registrada em 2016. As vendas internas cresceram 2,3%, atingindo 16,9 milhões de toneladas. As importações cresceram 23,9% em 2017 frente ao ano anterior, totalizando 2,3 milhões de toneladas. Desses valores, é possível concluir que o consumo aparente nacional de produtos siderúrgicos (vendas internas + importações) foi de 19,2 milhões de toneladas em 2017, volume 5,3% superior ao de 2016.
“Para a efetiva recuperação não só da indústria do aço, mas da indústria de transformação em geral, é preciso que o governo corrija as assimetrias competitivas, como elevados custos financeiros e cumulatividade de tributos, e concretize as reformas trabalhista e tributária. Outra questão relevante é a elevação da alíquota do Reintegra para 5%, para ressarcir os resíduos tributários embutidos nas exportações dos produtos brasileiros”, afirma o IABr, na edição de dezembro de 2017 do seu boletim Brasil Informa. “Sem a correção das assimetrias competitivas e da retomada dos investimentos em infraestrutura, a estimativa do Aço Brasil é de que as vendas de aço no mercado interno só retornarão aos níveis de 2013 em 2028, ou seja, 15 anos depois!”
Mercado reaquecido
Dentre os segmentos com utilização intensiva de aço, destaca-se tradicionalmente a indústria automotiva, dada a sua rápida reação a qualquer alteração no bom ou mau humor da economia em geral. Serve, portanto, como um sinalizador de um possível reaquecimento – ou, eventualmente, no sentido oposto. E é exatamente isso que tem ocorrido desde o final de 2017: uma paulatina recuperação do mercado automotivo.
Segundo os dados divulgados em março pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o licenciamento de veículos novos, nacionais e importados, índice que reflete o comportamento da demanda do mercado, totalizou 151 mil autoveículos, volume 15,7% superior ao registrado em fevereiro de 2017. As vendas internas de máquinas agrícolas e rodoviárias atingiu 2400 unidades em fevereiro, volume 22,5% menor que o de fevereiro de 2017, mas 49,7% maior que o de janeiro deste ano, o que uma forte recuperação nos últimos meses. A exportação total, de autoveículos e máquinas agrícolas e rodoviárias, evoluiu 23,7%, em valor, entre fevereiro de 2017 e 2018. Para atender a esse aumento da demanda interna e das exportações, as montadoras nacionais produziram 213,5 mil unidades, volume 6,2% superior ao produzido em fevereiro de 2017.
Com base nesses números, a Anfavea prevê que, em 2018, deve ocorrer uma significativa recuperação tanto no licenciamento quanto na produção nacional, conforme pode ser apreciado na tabela Previsões 2018, elaborada pela entidade. De acordo com Antonio Megale, presidente da Anfavea, o desempenho do setor automotivo indica que a economia nacional se encontra numa trajetória de crescimento. “Nós estimamos que a demanda interna de caminhões deve crescer 25% este ano, em comparação com 2017, e vale lembrar que a demanda de caminhões está diretamente ligada ao desempenho do PIB nacional. Isso significa que as perspectivas da economia são muito boas este ano”, acredita Megale.
Projetos (ainda) na gaveta
Com menos visibilidade ante o grande público, mas nem por isso menos importante para a economia nacional, a indústria de máquinas e equipamentos, outra grande consumidora de aço, também confia na recuperação do seu mercado a partir deste ano. Por enquanto, porém, os seus indicadores de desempenho ainda refletem a retração ocorrida nos últimos anos. É oportuno explicar que, dado o seu vínculo direto com os planos de investimento, o setor de bens de capital é conhecido como ‘o primeiro setor a ser atingido pelas crises e o último a sair delas’.
Os números divulgados pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) no final de fevereiro ainda indicam um grande impasse nos negócios do setor. No entanto, também sugerem uma tendência à estabilização, que poderá ser seguida de uma retomada dos investimentos. “Tudo indica que a economia se descolou da política e é possível que este ano atinja outro patamar, mais favorável”, confia o presidente da entidade, João Marchesan. “Este ano começou com a taxa Selic menor e a inflação controlada. Além disso, independentemente do câmbio, a Abimaq tem retomado seus níveis anteriores de exportação – até porque os outros países também estão crescendo e, portanto, investindo em equipamentos. Outro fato que temos que considerar é que, depois de vários anos de crise, o mercado interno também chegou a um ponto de fadiga e, portanto, as empresas precisam voltar a investir.”
Confiança renovada
Enquanto ainda existir uma capacidade ociosa a ser ocupada, é natural que as empresas adiem a retirada dos seus projetos de investimento das gavetas. O primeiro passo para ‘abrir essas gavetas’ é a recuperação da confiança dos empresários, fato que já está sendo verificado entre as tradicionais empresas do setor metalúrgico, como a Aços Groth, empresa especializada no processamentos e distribuição de aços para construção civil e autopeças, entre outros segmentos, sediada no município de Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, que, desde o último trimestre de 2017, tem detectado uma melhora significativa no seu desempenho comercial. “O mês de janeiro foi muito bom; fevereiro é ainda uma incógnita – até porque tem poucos dias úteis –, mas o panorama está muito mais animador do que esteve na mesma época do ano passado. O aço está com o preço mais alto desde 2008, o que também é um sinal de que o mercado está mais aquecido”, afirma o diretor da empresa, João Luis Groth.
Segundo o diretor da Aços Groth, apesar dos sinais animadores dos últimos meses, o mercado ainda está abaixo do que foi antes da crise. “O ano de 2013 foi maravilhoso e, para voltar a esse patamar, o faturamento de nossa empresa ainda precisaria crescer uns 30%. A demanda do setor de autopeças melhorou muito e foi responsável pela grande mudança ocorrida no segundo semestre de 2017, e a do setor de equipamentos rodoviários – mais precisamente de caminhões – também tem melhorado. Mas construção civil ainda está parada, sem nenhuma reação.”, explica Groth. “O cenário externo também está muito favorável e, apesar de tudo o que tem ocorrido na política, o governo está com uma agenda positiva para os investidores. Eu acho que a grande questão é se o Congresso vais aprovar ou não a reforma da Previdência. Isso é algo que pode melhorar ou complicar o ano de 2018. Se aprovarem, vai ser um ano bom; se não aprovarem, o cenário poderá ficar mais incerto. No que se refere às eleições, eu acho que se Lula realmente não concorrer à Presidência, isso pode animar os investidores”, completa João Luis Groth.
O aumento no volume das consultas de potenciais clientes nos últimos meses à Castellar Metals, empresa sediada em São Paulo, que atua no mercado nacional e internacional como fornecedor de produtos siderúrgicos, também reflete a tendência de uma melhora no mercado. “Comparado com os meses anteriores, janeiro foi bom, num nível ainda baixo, mas em ritmo crescente. O fato de estarmos recebendo consultas é um bom sinal, porque, quando o mercado está parado, simplesmente não recebemos nenhuma”, explica José Larrosa, diretor comercial da Castellar. “Logicamente a concretização dos negócios vai depender do processo político e econômico que o Brasil está enfrentando neste momento, principalmente no que se referem à reforma da Previdência e à possibilidade de Lula ser ou não candidato. A economia está reagindo, mas a reforma da Previdência daria um bom impulso aos negócios, porque, se o País caminhar rumo à insolvência, quem vai se animar a investir aqui?”
Larrosa estima que, se as expectativas de negócios se confirmarem, os negócios fechados pela Castellar devem crescer em torno de 25% este ano. “Um setor que precisa crescer é o da construção civil, porque ela está estagnada há mais de dois anos. Mas nós precisamos ser otimistas. Em minha opinião, este ano ainda vai ser de recuperação, mas 2019 vai ser o ‘ano do aço’”, confia o diretor comercial da Castellar Metals.
Na Regional Telhas, fabricante de telhas metálicas, perfis estruturais e acessórios, sediada no município de Assis, no interior de São Paulo, o clima é positivo, de quem acha que, este ano, o mercado vai melhorar. “Nossas expectativas são as melhores, mesmo com todos os desafios que o País vai enfrentar. E podemos afirmar isso porque nossa empresa está muito bem posicionada no mercado: temos matéria prima, uma estrutura produtiva muito forte e, portanto, capacidade para oferecer preços e prazos competitivos”, afirma Paula Martins, coordenadora de Marketing da Regional Telhas. “Nosso diferencial é que nós estávamos prontos para a crise; não precisamos nos readequar. Isso nos permitiu atender os clientes da melhor forma possível. Este ano, pretendemos continuar com nossa estratégia de manter um bom estoque de matéria prima e, se nossas previsões se concretizarem, acreditamos que nosso faturamento vai crescer em torno de 9%.”
Segundo Paula Martins, apesar de 2016 e 2017 terem sido bons para a Regional, nem por isso a empresa deixou de ser afetada pela crise, tendo sido obrigada a adiar a implementação dos planos de crescimento que tinha em 2013. “O crescimento do nosso mercado depende, principalmente, da disponibilidade de linhas de crédito para que nossos clientes possam voltar a investir e para o surgimento de novos investidores, atraídos pela estabilidade da economia. Além da falta de linhas de crédito, a burocracia tributária é um problema para nossa empresa. Como nós trabalhamos em quatro estados, precisamos obedecer quatro critérios tributários. Além disso, como a Regional importa muita matéria prima, também precisa atender a toda a burocracia que isso implica”, completa Paula Martins.