terça-feira, dezembro 3, 2024
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Otimismo em compasso de espera

Atingidas pela crise, as empresas especializadas em beneficiamento do aço começam a vislumbrar a retomada da demanda dos seus serviços

Por Ricardo Torrico

Desde que sai da usina até ser definitivamente processado em uma metalúrgica, a matéria prima aço passa por diversos tratamentos – solda, curvamento, tratamento de superfície, pintura, usinagem etc. –, executados por inúmeras firmas especializadas. Elas também não foram poupadas pela crise e viram a demanda dos seus serviços diminuir consideravelmente nos últimos anos. Depois desse período de sufoco, agora elas começam a sentir que a economia está voltando aos trilhos – embora num ritmo ainda lento.

Galvanização reaquecida

Dentre os tratamentos realizados no aço, destaca-se a galvanização ou zincagem, destinada a recobrir o ferro ou o aço com uma camada de zinco metálico, para fins de proteção contra os efeitos da oxidação. No Brasil, as empresas que oferecem esse serviço são representadas por duas entidades, a Associação Brasileira de Tratamento de Superfície (ABTS), que reúne as empresas especializadas nos processos de galvanização por eletrodeposição e banhos metálicos, aplicados em peças de pequeno porte, e o Instituto de Metais Não Ferrosos (ICZ, sigla mantida do nome original da entidade, Instituto de Chumbo e Zinco), onde se concentram as empresas especializadas na galvanização a fogo, utilizada em peças de maior porte.

Na avaliação de Roberto Motta de Sillos, secretário executivo da ABTS, depois de dois anos muito críticos para as empresas associadas à entidade desde meados de 2017 começou a haver uma retomada da demanda, com perspectivas de melhora para 2018. “Nos últimos anos, estimamos que tenha havido uma redução 60%, em média, na demanda dos serviços de galvanização entre as empresas associadas à ABTS. Mas, conversando com os fornecedores de produtos químicos e prestadores de serviços associados à nossa entidade, ficamos sabendo que já começaram a surgir novos pedidos. Mas, uma retomada mais consistente do mercado ainda deve demorar. O ideal seria que as empresas estivessem trabalhando em, pelo menos, dois turnos, mas elas ainda estão longe disso”, explica Roberto Motta. “Com crise ou sem crise, o principal fator que inibe o crescimento dos mercados de galvanoplastia e tratamento de superfície em geral é a pesada carga tributária que incide nesses serviços, que pode chegar a 40% dos preços que as empresas precisam cobrar.”

As empresas associadas ao ICZ sentiram o mesmo impacto sofrido por suas congêneres filiadas à ABTS. “A demanda de aço galvanizado manteve-se em constante crescimento até 2008, ficou estagnada até 2013 e, a partir daí, caiu até 2015, quando começou uma recuperação muito lenta, sendo que, em 2017, andou meio de lado”, explica o gerente executivo do ICZ, Ricardo Suplicy Goes.

Segundo Goes, o aço que os associados do ICZ processam é muito utilizado em peças estruturais de grande porte, como, por exemplo, as defensas instaladas em avenidas expressas ou rodovias. No caso destas, as tão esperadas concessões eram vistas como uma possível alavanca para as empresas galvanizadoras, mas, por causa das eleições deste ano, elas foram adiadas para 2019. “Outros setores que também significam alguma esperança para a galvanização são os de energia solar e eólica. No caso da energia solar, toda as estruturas de sustentação precisam ser feitas em aço galvanizado, inclusive para atender às normas internacionais. Nesse caso, porém, ainda existe uma grande concorrência do aço importado, utilizado pelas empresas que têm investido nesse setor”, relata o gerente executivo do ICZ.

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De acordo com Goes, o produto importado costuma ter um preço menor, principalmente por causa da carga tributária que incide sobre o produto nacional. Ocorre, porém, que muitas vezes o produto de fora não vem com a qualidade exigida pelas normas. “A qualidade do aço galvanizado depende da espessura do zinco depositados na superfície, e o aço que vem da China muitas vezes vem com uma espessura muito baixa, mas o consumidor final nem sempre tem o conhecimento técnico para evitar isso. O ICZ já atuou junto aos órgãos do governo no sentido de coibir essa prática, mas tem sido difícil conseguir o êxito esperado”, explica Goes. “No mercado da construção civil, felizmente, não temos esse problema. Esse setor é o carro-chefe da galvanização e já está prevista uma retomada em 2018, mas o que temos visto no mercado é que alguns investidores ainda vão aguardar as eleições. Outro segmento de mercado é a agricultura, que usa aço galvanizado na construção de silos, e sua demanda tem crescido bastante.”

Sobre as perspectivas de crescimento da demanda de aço galvanizado este ano, Ricardo Goes afirma que existe uma relação direta entre a demanda interna do aço em geral e do galvanizado, o que faz com que o ICZ considere que, este ano, vai crescer os mesmos 4,1% que o Instituto Aço Brasil estima para as vendas das siderúrgicas no mercado interno. Mas o real potencial de crescimento do mercado interno está no baixo consumo de aço e, consequentemente, de aço galvanizado no Brasil. “Em 2017, o consumo per capita de aço foi de 92,3 kg, e de aço galvanizado, de 1,6 kg – ou seja, 1,7% do aço consumido no Brasil é aço galvanizado. No México, por exemplo, o consumo de aço é de 200 kg por habitante, e no Chile, 150 kg. E também no Chile, o consumo de aço galvanizado é de 6 kg por habitante. Nós vemos isso como uma oportunidade, pois mostra o quanto o mercado do Brasil ainda tem para crescer na aplicação do aço em geral, e do aço galvanizado, em particular”, completa o gerente executivo do ICZ.

Desempenho atrelado

Da mesma forma que a galvanização, os serviços de solda também têm uma estreita ligação com o mercado do aço. Dividido em dois segmentos – máquinas de solda e consumíveis –, o setor acaba tendo altos e baixos diretamente vinculados à demanda de aço. “Os consumíveis representam, em média, de 1% a 2% do aço a ser soldado. Ou seja, para cada 100 toneladas de aço, utilizam-se 2 toneladas de eletrodos. Isso significa que, se o consumo de aço cai, o de consumíveis também cai na mesma proporção”, explica Luiz Gimenez, professor pleno da Fatec-SP em Processos de Soldagem e Tecnologia de Fabricação. “Na área dos consumíveis, existem inúmeras marcas importadas e nacionais, como a Belgo Mineira e Gerdau, que têm sofrido a concorrência, principalmente dos produtos chineses. A China exporta ao Brasil aquilo que se convencionou chamar de ‘caixa branca’, ou seja, uma caixa de produtos sem marca, para que o importador possa colocar a sua própria marca. Vale lembrar que os consumíveis têm data de validade, que pode durar de seis meses a um ano. Ou seja, não podem ser estocados indefinidamente. Precisam ser comprados pouco antes de serem consumidos.”

Segundo Gimenez, as máquinas de solda tiveram seus custos muito reduzidos nos últimos anos, devido à importação de máquinas de diversas origens. “Aquelas com mais tecnologia são importadas da Europa e Estados Unido, e as mais simples e baratas vêm da China. Muitos fabricantes nacionais sucumbiram à concorrência das máquinas importadas e, como o mercado se reduziu, as empresas do setor estão se especializando em certas áreas. Mas esse fenômeno não é somente nacional, mas mundial: as empresas deixam de produzir certos itens e passam a importá-los. Essa especialização implicou diferentes rumos para cada segmento. O pioneirismo e experiência acumulada pelas empresas nacionais no atendimento às usinas de açúcar e álcool fez com elas continuassem fabricando e exportando para muitos países. Já, no sentido oposto, o aço inox soldado deixou de ser fabricado aqui e passou a ser importado da Europa.

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Quanto às perspectivas sobre um aumento da demanda de consumíveis, Gimenez afirma que tudo vai depender da realização de investimento em novas estruturas produtivas de cada segmento de mercado, principalmente papel e celulose, petróleo e gás, e açúcar e álcool, que são grandes consumidores de aço, bem como de máquinas de solda e consumíveis. “O setor que tem impulsionado o segmento de solda, seja de máquinas ou de consumíveis, é a indústria automobilística. Há, inclusive, uma importante montadora que vai comprar 300 robôs para modernizar toda sua linha de produção, o que deve gerar um consumo maior de material”, completa o professor Luiz Gimenez.

Custos absurdos

Especializada em curvamento de tubos e sediada em São Paulo, a Tabano espera que a luz no fim do túnel se transforme na efetiva recuperação do mercado perdido nos últimos anos. “Em 2017, o mercado caiu em torno de 30%, em comparação com 2015 ou 2016. Nos últimos meses, temos recebido pedidos de orçamentos, mas, por enquanto, os clientes ainda não estão confirmando seus pedidos. A perspectiva de melhora existe, mas não para voltar ao que era antes”, afirma o diretor da empresa, Michelangelo Tabano. “Em minha opinião, a possível melhora do mercado não tem relação com as medidas tomadas pelo governo; eu acho que já estava na hora do mercado reagir. Lógico que as recentes medidas ajudam e são bem-vindas, mas eu acho que ‘quando se gasta um sapato, está na hora de comprar outro’. Mas eles vão comprar só um, não vão comprar dois. Mesmo assim, acredito que este ano o mercado vai melhorar. O que mais está inibindo a retomada são os processos de corrupção, que fazem o empresário esperar uma definição, para só então tomar decisões.”

O diretor da Tabano também explica que, com seu faturamento reduzido pela crise nos últimos anos, as empresas têm tido dificuldade cada vez maior até para fazer frente às despesas fixas, como aluguéis, impostos prediais e encargo trabalhistas. “Hoje em dia, as despesas fixas, como aluguel e IPTU, são um absurdo. Nós pagamos quatro mil reais por mês de IPTU, o que eu acho um absurdo, considerando que ocupamos um espaço de 600 metros quadrados. E no que se refere à mão de obra, quando o faturamento cai demais, não há outra solução senão dispensar funcionários, o que implica um custo muito alto, bem no meio de uma crise”, completa Michelangelo Tabano.

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