Lideranças e empresários da indústria siderúrgica nacional se reuniram no Congresso Aço Brasil 2018 para debater as mudanças necessárias para enfrentar a atual recessão e os desafios específicos do setor.
Por Ricardo Torrico
Realizado na segunda quinzena de agosto − ou seja, faltando menos de dois meses para a eleição presidencial −, o Congresso Aço Brasil 2018 ocorreu em um clima de expectativa quanto aos rumos, não só da indústria siderúrgica, mas de toda a economia nacional. A abertura do evento teve a presença do presidente da República, Michel Temer e do ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marco Jorge de Lima. Além de um amplo debate dobre a situação e perspectivas do setor, o evento também foi marcado pela posse de Sergio Leite de Andrade, CEO da Usiminas, como o novo presidente do Conselho Diretor do Instituto Aço Brasil (IABr), em substituição a Alexandre de Campos Lyra, do grupo Vallourec, e tendo como vice-presidente a Marcos Eduardo Faraco, da Gerdau. O evento foi realizado nos dias 21 e 22 de agosto, no Hotel Transamérica, em São Paulo.
Na cerimônia de abertura, o presidente Michel Temer discursou sobre a importância da indústria do aço na economia brasileira, ressaltando a retomada do setor, que passou por momentos difíceis nos últimos anos. “Ano passado estive presente neste mesmo evento, e vimos que o setor siderúrgico passava por um momento crítico. Hoje vemos um crescimento de produção e vendas do aço para os mercados nacional e internacional”, destacou Temer. Antes de seu pronunciamento, Temer ouviu um apelo de Sergio Leite para que, em um mundo cada vez mais protecionista, o Brasil não abra unilateralmente o seu mercado. “Sei dessa preocupação com o protecionismo e reafirmo que temos que proteger nossa indústria”, respondeu o presidente da República. Para Sergio Leite, o mundo vive uma guerra de mercado em que a China tem conquistado espaço e os Estados Unidos e a União Europeia têm tomado medidas para se proteger do avanço chinês lançando mão de sobretaxas, no caso dos EUA, e de salvaguardas, no caso da Europa. “Apenas a América do Sul não apresentou uma posição sobre esta questão. Precisamos definir nossa postura e devolver ao Brasil o protagonismo nas relações comerciais mundiais”, disse Leite
Painéis
Indústria − Protecionismo ou isonomia? foi o tema primeiro painel do evento e contou com as participações do economista Antonio Delfim Netto; José Ricardo Roriz, presidente em exercício da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp); Marcos Lisboa, presidente do Insper; e Germano Mendes de Paula, professor titular do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia. O painel apresentou estudos que comprovam a posição protecionista da China frente ao mercado mundial do aço. “A Fiesp está totalmente engajada na retomada do crescimento da indústria brasileira e a melhoria dos indicadores sociais do Brasil”, afirmou José Ricardo Roriz. Para Sergio Leite, o mundo vive uma guerra de mercado com a China conquistando espaço e Estados Unidos e União Europeia tomando medidas para se proteger do avanço chinês por meio de sobretaxa (caso dos EUA) e salvaguardas (caso da Europa). “Apenas a América do Sul não apresentou posição sobre esta questão. Precisamos definir nossa postura e devolver o protagonismo do Brasil nas relações comerciais mundiais”, disse Leite. Já o ministro Marcos Jorge de Lima listou uma série de medidas que estão sendo tomadas pelo governo em parceira com as entidades ligadas à indústria do aço, entre elas o IABr, para garantir isonomia do mercado nacional e fortalecê-lo ainda mais. Para o ministro, deve-se destacar o esforço conjunto das empresas, entidades e embaixada brasileiras em Washington para evitar que os EUA sobretaxasse os produtos brasileiros assim como fez com os chineses e com vários outros países. “Não existe país forte sem uma indústria forte. Acreditamos que há espaço para crescimento, mas é preciso trilhar um caminho com reformas e controle de gastos”. Lima citou programas como o Pedefor, que prevê a simplificação de regras para licitações, entre outras medidas.
Excesso de capacidade
O presidente do Fórum Global G-20, o advogado argentino Shunko Rojas, apresentou o painel Fórum Global e Excesso de Capacidade, defendendo a necessidade de os países do Mercosul construírem conjuntamente o equilíbrio em suas economias a fim de somar aos esforços que a China já vem fazendo para reduzir o excesso de capacidade de produção de aço no mundo, tendo como meta chegar a 2020 com 150 milhões de toneladas de capacidade a menos do que em 2016. “A demanda global tende a ficar mais robusta e, assim, os preços se valorizarem, criando oportunidades para as empresas do setor em todo o mundo. Já para a China, as projeções são de queda, por conta dos esforços de redução de capacidade e mudança de uma economia baseada em investimentos e exportações para outra, concentrada no consumo interno”, destacou Rojas, que também é subsecretário de Comércio Internacional da Argentina.
Postura do Brasil
Durante o painel Excesso de Capacidade de Produção de Aço no Mundo – Como Solucionar?, o subsecretário-geral de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty, Ronaldo Costa Filho, disse que o Brasil está bem posicionado para contribuir com o debate mundial, pois possui diversas vantagens em relação a outros mercados. “Aqui, os ajustes não são feitos pelo governo, mas diretamente pelas empresas. Nós não impomos barreiras comerciais nem subsídios e há regras claras de concorrência estabelecidas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Também não existem obstáculos para a importação de insumos usados para a produção do aço”, explicou Costa Filho.
A diretora de Estudos Econômicos e Estatística da Worldsteel, Nae Hae Han, afirmou que a redução do excesso de capacidade na China é um movimento natural, uma vez que processos econômicos, como a digitalização, geram mais eficiência na produção e no uso do aço. Também mencionou que as novas economias emergentes experimentam um crescimento menor da demanda por conta de uma desindustrialização prematura. “Este processo vem ocorrendo por conta de uma transformação nas cadeias de valor em que ganham destaque os quatro Rs: reduzir, reutilizar, remanufaturar e reciclar”. Um exemplo são os serviços de compartilhamento de veículos, que reduzem o número de carros nas ruas. Para a pesquisadora, a capacidade de produção existente deve ser capaz de suprir a demanda até 2035.
Tecnologia em debate
O desenvolvimento tecnológico da indústria do aço esteve no centro do debate do terceiro painel do Congresso: Consumidores – O que esperam da indústria do aço em 10 anos. O recém-lançado Programa Rota 2030, que estabelece as bases de uma política industrial do setor automobilístico pelos próximos 15 anos para estimular a modernização do setor, foi um dos pontos destacados pelo vice-presidente da Anfavea, Antonio Sérgio Martins Mello. “Estamos vivendo uma transição política no Brasil e nós temos que construir propostas e criar um posicionamento claro da indústria para transformar a agenda política do país em uma agenda de desenvolvimento e crescimento. Neste sentido, o Rota 2030 tem potencial de atrair novas tecnologias, criar novos mercados para exportação e gerar conhecimento para o país”, destacou Mello.
O CEO da empresa alemã Klöckner & Co SE, Gisbert Rühl, contou como a empresa siderúrgica abraçou a disrupção digital e promoveu o grupo a um dos maiores pioneiros em inovação do setor industrial, relatando como o processo de construção de uma unidade de inovação aos moldes das startups mudou a sua empresa. “Empurrei a empresa para a digitalização basicamente pelo momento difícil da indústria do aço, por conta do excesso de oferta, e também pelo próprio modelo de negócios do setor. Com o lançamento de nossa plataforma digital, conseguimos mudar toda a cadeia de suprimentos, do produtor até o cliente”, revelou o executivo alemão.
A arquiteta Filomena Russo, que foi sócia durante muitos anos do escritório Foster + Partners, relatou como foi o desenvolvimento do projeto AQWA da Tishman Speyer no Porto do Rio de Janeiro, um edifício que, graças a estruturas metálicas inovadoras, mudou a paisagem da Zona Portuária da capital carioca e provou que novas tecnologias em construção podem surgir também no Brasil. “Temos que parar com essa ideia de grandes inovações no setor do aço não podem acontecer aqui no nosso país”, ressaltou Russo.
Sustentabilidade do aço
A sustentabilidade na indústria do aço foi o tema do último painel do dia de abertura do Congresso. Frederico Ayres Lima, conselheiro do IABr e diretor-presidente da Aperam South America, debateu o assunto com Peter Levi, analista de tecnologia de energia da Agência Internacional de Energia, e com o professor Michael Braungart, CEO da Environmental Protection and Encouragement Agency (EPEA). “A sucata de aço é o produto mais reciclável do mundo, porque pode ser reaproveitado inúmeras vezes”, destacou Ayres Lima. Mas a indústria brasileira também se destaca por outras práticas. De acordo com o Relatório de Sustentabilidade, produzido pelo IABr, as empresas brasileiras conseguem o impressionante índice de 96% de recirculação da água usada no processo de produção das ligas metálicas. Além disso, o setor gera quase a metade da energia que consome.
Para o professor Michel Braungart, é preciso pensar em eficiência. “Vamos pegar o exemplo de uma cerejeira. Ela produz oxigênio, óleo, frutos e, mesmo assim, todos os seus componentes são reabsorvidos pela natureza. Por outro lado, um telefone celular é composto por 41 elementos, mas apenas nove deles são recicláveis. Nós fazemos coisas ruins perfeitamente bem e coisas boas perfeitamente erradas”, brincou. Ele apontou exemplos como o navio Triple-E, da Maersk Line, de 55 mil toneladas, feito inteiramente com materiais reutilizáveis, que podem dar origem a outro navio. Este é o pensamento Cradle To Cradle (Berço ao Berço) idealizado pelo professor e que virou um instituto de mesmo nome. “Temos que ter em mente que ninguém precisa do aço em si. Nós precisamos é do serviço que o aço nos oferece”, finalizou.
Já Peter Levi falou como a indústria deve lidar com a questão da geração de energia num mundo em que as emissões de CO2 só aumentam. “É preciso pensar no desenvolvimento sustentável aliado com a segurança energética, conciliando um baixo custo de transição. Para isso, é essencial a sinergia do setor siderúrgico com outros setores industriais”. De acordo com o analista, a redução da emissão de CO2 no setor passa por processos de aprimoramento da fundição e reciclagem de gases.
Foco na transparência
Bruno Brandão, diretor executivo da ONG Transparência Internacional, que elabora o principal medidor sobre o assunto, o Índice de Percepção da Corrupção, apresentou a proposta das Novas Medidas Contra a Corrupção e pediu ajuda das empresas e da iniciativa privada para que o projeto ganhe escala neste período de eleições. A Transparência Internacional. “Este é um fenômeno invisível. Nós só conseguimos medir aquela corrupção que deu errado. Por isso, o índice mede a percepção da população sobre o problema”. Infelizmente, o Brasil apresenta hoje um dos piores resultados neste quesito, despencando no último ano da 79ª posição no ranking para a 96ª, resultado melhor apenas que o da Rússia.
De acordo com Brandão, o resultado é importante porque as grandes empresas utilizam dados do índice em seus medidores de compliance. Ele lembrou que, em 2016, o Ministério Público Federal liderou a iniciativa das 10 Medidas Contra a Corrupção, mas o texto inicial foi completamente modificado e desvirtuado quando chegou ao plenário da Câmara dos Deputados. Desde então, o Brasil não havia retornado ao debate. “A principal arma contra a corrupção já foi definida: o voto. Neste ano, a Transparência Internacional elaborará uma lista de candidatos ao Congresso Nacional que tenham passado limpo, compromisso com a democracia e, claro, que endossem as novas medidas”, disse.
Investir mais e melhor
No segundo dia do Congresso, o painel Infraestrutura – Destravando o crescimento econômico trouxe uma discussão primordial para o desenvolvimento do país: quando os projetos de infraestrutura serão retomados para destravar o crescimento? Tanto Paul Procee, do Banco Mundial, quanto José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), apresentaram um dado contundente: um país para crescer precisa investir pelo menos 5% do seu PIB em obras de infraestrutura. O Brasil, porém, tem investido menos de 2%, enquanto a Colômbia mantém um mínimo de 4% e a China, pelo menos 7% anuais. “Não foram criadas as condições para que o investimento voltasse ao Brasil”, afirmou Martins.
Projetos há, mas eles precisam sair do papel. Foi apresentado um estudo inédito feito em parceria entre o IABr e a consultoria E8, em que foram analisadas 54 obras do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) do governo federal. Segundo a coordenadora do estudo, Eliana Taniguti, os sistemas previstos no PPI de óleo e gás, ferrovias, aeroportos, portos e rodovias têm um potencial de consumo de 8,4 milhões de toneladas de aço, gerando impactos muito relevantes não só pra indústria do aço. “Temos condições de ajudar o país a entrar nos eixos, com qualidade de serviço, emprego, renda e desenvolvimento. O próximo governante precisa fazer reformas. Apostem na construção para isso. Tenho certeza que o Brasil será outro”, acrescentou José Carlos Martins.
O holandês Paul Procee, que lidera o programa de infraestrutura e desenvolvimento sustentável do Banco Mundial e é coautor do estudo Back to Planning: How to Close Brazil’s Infrastructure Gap in Times of Austerity, fez uma crítica à qualidade de investimentos do país. “Temos que gastar com qualidade. O grande gargalo do país é a falta de planejamento. Falo com investidores de todo mundo que queriam vir pro Brasil, mas a falta de planejamento claro e as mudanças de regra os desencorajam”, disse Procee.
Cenário político
Para o cientista político Murillo de Aragão, que proferiu a conferência Cenário político – Eleições 2018, a corrupção é fruto de uma cultura onde a sociedade serve ao estado e não o estado à sociedade. Segundo ele, o poder estatal no Brasil é exagerado e existem diversos temas para serem discutidos antes de se adotar soluções sofisticadas para os problemas sociais. O cientista político também ponderou que, mesmo com a corrupção presente, é impossível utilizar a eleição para recomeçar o país do zero. “Somos um produto do passado. Nosso futuro será construído também por quem estava no passado. Levando isso em consideração, o que temos a fazer é votar no melhor possível”, afirmou.
Principais desafios
No último painel do Congresso, Futuro da indústria brasileira do aço – A visão dos CEOs, os diretores-presidentes de algumas das principais empresas do setor no país concordaram que a inovação é, ao mesmo tempo, um grande desafio e uma enorme oportunidade para as empresas modernizarem sua operação e ganharem mais competitividade nacional e internacionalmente. O presidente-executivo do IABr, Marco Polo de Mello Lopes, lembrou que o setor está saindo de uma das piores crises da sua história, ilustrada por uma queda de 30% em suas vendas internas e consumo entre 2013 e 2017. “O ano de 2018 começou bem, mas em maio foi impactado pela greve dos caminhoneiros. Mesmo assim, a expectativa é de crescimento”. Para ele, o setor deve se empenhar em voltar a operar com mais de 80% de capacidade. Atualmente, esse número está em 68%.
Segundo Gustavo Werneck, diretor-presidente da Gerdau, a indústria no Brasil não precisa de incentivos nem benefícios, e sim de isonomia competitiva e condições igualitárias de concorrência. Isso passa pelo aprimoramento de fatores externos, como a complexidade tributária. “A Gerdau América do Norte possui sete colaboradores encarregados da área tributária; no Brasil, o número desses profissionais é 122”. De acordo com Werneck, é preciso se preocupar com os fatores internos de cada empresa – e a inovação surge como uma necessidade para as operações. “A partir de 2020, viveremos a era pós-digital, o que implica o fortalecimento de pilares que já empregamos hoje, como a difusão de tecnologia e o uso de inteligência artificial, dados e analytics. Já utilizamos novas maneiras de trabalhar e novos comportamentos, como o uso de uma metodologia ágil, com foco no cliente e interação com o ecossistema tecnológico”.
O CEO da Ternium, Marcelo Chara, lembrou que a participação da indústria em geral no PIB brasileiro caiu 29% nos últimos 10 anos, respondendo hoje por somente 11,8% do valor total do que é produzido no país. “Acreditamos que o Brasil tem um potencial enorme e que é possível a recuperação se trabalharmos em conjunto. Devemos lembrar que, embora a indústria chinesa responda por 34% do PIB daquele país, o mesmo índice na economia dos EUA é de 14%”. Para Chara, as grandes oportunidades de competitividade passam pela melhoria da cadeia de valor, geração de eficiência por meio da indústria 4.0 e inovações voltadas para a atividade, como foi feito no Centro Industrial da Ternium, no Rio de Janeiro.
Já para o CEO da ArcelorMittal Aços Longos Américas Central, do Sul e Caribe e também conselheiro do Aço Brasil, Jefferson de Paula, o mundo tecnológico muda muito, o que afeta profundamente os negócios da empresa. O executivo destacou a inovação como um dos fatores essenciais para aproveitar as oportunidades que o mercado oferece e mencionou que sua empresa vem priorizando o foco no cliente e ferramentas de inovação, como o fomento ao ecossistema competitivo por meio de parcerias com startups, entidades de classe, universidades e fornecedores. Como exemplo de produto inovador, citou o tênis Nike Air Jordan Future, feito com fibras de aço. “O aço constrói o futuro e o futuro do aço não tem limites”, completou Jefferson de Paula.