O mercado de fios industriais, cabos de aço, arames e trefilados tem registrado sinais positivos, mas ainda insuficientes para caracterizar uma recuperação consistente
Por Ricardo Torrico
Prestes a completar o segundo ano de mandato, o presidente Michel Temer tenta associar sua imagem à ainda tímida recuperação da economia. Avanços, de fato, houve, mas se, por um lado, o pior parece já ter passado, por outro, ainda não é possível saber se o fim da recessão vai se transformar numa real e consistente retomada do crescimento – principalmente do setor industrial, o mais abalado pela crise dos últimos anos. Esse sentimento generalizado também tem atingido as empresas que atuam na cadeia de beneficiamento do aço, representadas, dentre outras entidades, pelo Sindicato Nacional da Indústria de Trefilação e Laminação de Metais Ferroso (Sicetel).
Segundo a entidade, quando os números do desempenho anual do setor estiverem consolidados, devem apontar um desempenho moderado em 2017, graças principalmente à recuperação que tem sido sentida a partir do segundo semestre. “Conforme os acompanhamentos que temos feito até agora, a participação das empresas associadas ao Sicetel nas vendas das siderúrgicas nacionais até cresceu, embora o consumo aparente desses produtos (relativos a aços planos e longos) tenha caído nos últimos anos. Os dados do IABr referentes a trefilados mostram que o consumo aparente caiu 2,2%, até setembro de 2017”, afirma o presidente do Sicetel, Daniele Pestelli.
Sinais positivos
Sobre as possibilidades de uma recuperação mais consistente a partir deste ano, Pestelli considera a recuperação da produção da indústria automobilística uma tendência positiva para a demanda dos produtos trefilados e laminados, que poderá se acentuar no decorrer deste ano. “No entanto, nós estamos preocupados com a perenidade desta recuperação tendo em vista o fim do programa Inovar Auto e a indefinição quanto ao lançamento do Rota 2030, o novo regime automotivo, destinado a substituí-lo”, explica o presidente do Sicetel. “Outra sinalização importante vem por conta de uma ainda tímida, mas constante, recuperação dos segmentos da construção civil e da linha industrial. O agronegócio também tem avançado muito, mas ainda não sentimos o reflexo, na mesma proporção, em relação aos nossos fornecimentos de insumos para esse setor, tais como telas hexagonais, arames farpados e ovalados. Apesar da atividade industrial paulista ter crescido 3,5% em 2017, em relação a 2016, segundo o Indicador do Nível de Atividade (INA), da Fiesp, isso se deu após três anos de forte queda. Ou seja, a indústria ainda está longe de recuperar plenamente a sua força, mas está caminhando nesse sentido.”
Na opinião de presidente do Sicetel, as medidas já implementadas pelo governo não têm sido suficientes para estimular a recuperação do setor industrial. “A meu ver, as ações do governo se assentam apenas pelo lado monetarista. Nenhuma de nossas bandeiras – conteúdo local, câmbio competitivo, política industrial com visão de cadeia produtiva e Reintegra mais robusto, entre outras – parecem estar no radar da equipe econômica. O que nós, de fato, precisamos é de um incremente nas linhas de crédito, mas com juros viáveis, e de mecanismos de financiamento com custo competitivo, para viabilizar investimentos na modernização da indústria nacional. A taxa Selic teve uma forte redução, mas o spread bancário permanece extremamente elevado. Isso também parece não estar no foco do governo, haja vista que se projeta uma redução forte dos recursos do BNDES”, questiona Pestelli. “Do ponto de vista político, o governo deve consolidar as reformas na legislação trabalhista, concluir o projeto de reforma da Previdência e iniciar de forma consistente uma reforma tributária. Do ponto de vista da indústria, o governo deve rever a política de aplicação do Reintegra, elevando o seu porcentual até 5%, com porcentuais proporcionalmente crescentes em relação à agregação de valor em cada elo da cadeia produtiva metalomecânica.”
Recuperação com restrições
Com uma luz ainda difusa no final do túnel, os empresários do setor, porém, não medem esforços para recuperar o tempo e o faturamento perdidos nos últimos anos. “Para os fabricantes de equipamentos, o mercado tem sido muito ruim desde 2014 e continuou sendo em 2017, em todos os setores. Em nosso caso, a demanda de equipamentos caiu 90% nesse período – ou seja, caiu para 10%! Isso ocorreu porque, quando a demanda de trefilados começa a cair, imediatamente também cai a demanda de equipamentos – e este é o último setor a se recuperar”, afirma Allan Werner Reichenbach, diretor da Reichenbach Equipamentos, fabricante de uma ampla gama de equipamentos, e prestadora de consultoria e serviços para a indústria de fios e cabos, localizada no município de Carapicuíba, na Região Metropolitana de São Paulo. “No entanto, no final de 2017, nós sentimos uma recuperação na demanda de equipamentos e, em janeiro deste ano, a concretização de negócios foi bastante surpreendente. Eu diria que essa demanda voltou ao nível de janeiro de 2015 e, nesse ritmo, acredito que a demanda pode voltar a 50% do que já foi em 2014.”
Segundo Allan Reichenbach, além dos efeitos da crise, o setor também é cronicamente afetado por uma grande carência de linhas de financiamento. “Nossos clientes querem desengavetar seus projetos de investimento, mas não existem linhas de financiamento voltadas para esse setor. Existe a linha Finame, mas, para um fabricante de máquinas e equipamentos, tem se tornado quase impossível cadastrar um produto no BNDES para obter esse financiamento. Se houvesse alguma instituição interessada em dar crédito aos trefiladores, esse mercado poderia crescer e se desenvolver muito mais rapidamente, até mesmo porque o setor está muito sucateado”, explica.
Na opinião do diretor da Reichenbach, se o final da crise se tornar mais consistente, os fabricantes de trefilados e, consequentemente, de equipamentos para o setor teriam um grande mercado a explorar – desde que estejam preparados para isso. “Quem, apesar da crise, conseguiu se estruturar financeiramente deve investir porque existe um grande mercado a ser explorado, carente de produtos com qualidade. Hoje, há muito equipamento obsoleto, funcionando com margens muito baixas. O problema, porém, é que os financiamentos hoje disponíveis não têm carência, o que faz com que o empresário conte apenas com seus próprios recursos para investir. Por isso, quem conseguiu investir ou fazer manutenção durante a crise, agora tem condições de conquistar o mercado dos concorrentes”, completa Allan Reichenbach.
Os sinais de recuperação são confirmados pela Schlatter do Brasil, fabricante de equipamentos de solda por resistência para diversos segmentos, com destaque para artefatos e cercas de arame, autopeças e siderúrgico, sediada no município de São Bernardo do Campo, na Região Metropolitana de São Paulo. Em 2017, o faturamento da empresa registrou uma melhora crescente em comparação com 2016, mas ainda num patamar inferior ao dos anos anteriores. “Existe uma perspectiva de crescimento em relação a 2018, mas que, nos próximos anos, dependerá muito da situação política do País após as eleições”, afirma Raphael Ferreira, gerente financeiro da empresa.
Entre os fatores que inibem a ampliação do mercado, Ferreira destaca a falta de confiança do empresariado em geral sobre o real crescimento da demanda, bloqueando assim a sua disposição para realizar novos investimentos. “É necessário realizar reformas mais profundas, como a da Previdência, para demonstrar ao mercado de forma clara de que o governo pretende corrigir a rota de gastos excessivos, controlando assim o déficit fiscal”, sugere o executivo da Schlatter.
A expectativa favorável também tem pautados as atividades da Oxiprana Química, empresa especializada na produção de produtos químicos utilizados na preparação das matérias primas utilizadas na fabricação de fios industriais, cabos de aço, arames e trefilados, sediada no município de Jaboatão dos Guararapes, na Região Metropolitana do Recife. “O ano de 2017 foi um ano muito difícil para todos. A demanda ficou no mesmo patamar de 2016, mas em 2018 existe a possibilidade de ocorrer uma melhora”, avalia Renata Galvão, diretora da empresa. “Os galvanizadores têm períodos de altos e baixos. Na galvanização contínua – de arames –, o panorama está mais definido, mas, no caso do segmento de galvanização por imersão, a situação está ainda muito difusa. Mas todo esse panorama ainda não passa de uma perspectiva, sem nenhum resultado concreto.”
Na opinião da diretora da Oxiprana, a provável recuperação se deve ao fato de que os empresários começaram a se focar nos seus negócios, e muito menos às mudanças ocorridas no campo da política. “De alguma maneira, os empresários precisam agir para sobreviver. Existe uma grande vontade de investir, inclusive por parte de empresas de fora do País, mas isso está ocorrendo num ano eleitoral, em que ainda há muita coisa a ser definida. Por conta dessa incerteza, alguns dos nossos clientes não estão investindo e continuam trabalhando com aquilo que têm. O fato é que, hoje, é superdifícil manter um negócio no Brasil, seja para as pequenas ou grandes empresas”, completa Renata Galvão.