Setor de extrema importância econômica e social, a construção civil aguarda a reativação da economia para reverter o quadro de profunda retração dos últimos anos
Por Ricardo Torrico
A crise que hoje assola a economia nacional tem sido implacável com todos os seus setores, mas mais implacável ainda com a indústria da construção civil que, ao contrário dos outros setores, só tem colhido resultados negativos mês após mês, ano após ano. A agropecuária, principalmente a intensiva, fortemente vinculada ao mercado externo, tem navegado num ‘mar de brigadeiro’, alternando pequenas e breves retrações com períodos de forte recuperação. A indústria não tem motivos para euforia, mas, pelo menos, tem ‘andado de lado’. Já para a construção civil − leve ou pesada − ‘andar de lado’ já seria motivo de comemoração.
De acordo com o estudo Construção: 1 milhão de empregos já, elaborado pelo CBIC e entregue a representantes do Congresso nacional em fevereiro deste ano, os dados do PIB nacional demonstram que, nos últimos quatro anos, a economia nacional registrou uma queda de 5,3%. “O país vive uma das piores crises da sua história. Neste cenário, a construção civil foi um dos setores mais penalizados, acumulando uma retração de 25,8% em suas atividades no período de 2014 a 2017. A expressiva redução dos investimentos, o aumento do desemprego, a elevação da taxa de juros e da inflação, além das turbulências políticas geraram um cenário macroeconômico instável e totalmente desgastado, inibindo as atividades da construção”, diz o estudo.
Mas qual é o motivo − ou motivos − para tão fraco desempenho? O que existe é uma conjunção de fatores intimamente entrelaçados: o fraco desempenho da economia como um todo; falta de recursos para novos investimentos, principalmente por parte do governo; queda persistente do nível de emprego − ninguém ignora que o Brasil tem quase 13 milhões de desempregados −; consequentemente, a queda na demanda de bens duráveis e, principalmente, aqueles que exigem financiamentos de longo prazo, como os imóveis; e a natural falta de confiança para investir, por parte dos empreendedores, ou para assumir novas dívidas, por parte dos consumidores que ainda estão empregados, mas que não têm nenhum garantia quanto ao futuro.
Recessão persistente
A crise econômica mundial, que começou em 2008, com a falência do banco norte-americano Lehman Brothers, parecia ter passado longe do Brasil, tendo sido depreciada pelo então presidente Lula, chamando-a de apenas uma ‘marolinha’. No entanto, seis anos depois, quando a demanda mundial de commodities perdeu seu impulso, a tal ‘marolinha’ começou também a fazer estragos na economia brasileira − estragos que já duram meia década.
Indicadores não faltam para medir os danos provocados pela crise, que podem ser resumidos no pífio crescimento do PIB, ou seja, o volume acumulado de todos os bens produzidos no país. Em sua última edição de julho deste ano, o Boletim Focus, publicado pelo Banco Central, confirmou a previsão de um crescimento de 0,82% para o PIB nacional neste ano, que já tinha sido feita em junho por um grupo de economistas entrevistados. Se há algo a comemorar nessa previsão é o fato de esse patamar ter sido mantida, já que, no início do ano, esses mesmos analistas indicavam um crescimento 2,6% para este ano e ele vinha caindo mês a mês.
Desde seu início, em 1o de janeiro, o atual governo tem apostado todas as suas fichas na reforma da Previdência, cuja primeira etapa demorou seis meses para ser aprovada. As próximas, na melhor das possibilidades, vão demorar outros três, deixando apenas o último trimestre do ano para que o empresariado volte a investir e, consequentemente, criando novos empregos e para que os consumidores aumentem a demanda de bens, completando o círculo virtuoso que faz as economias crescerem. Fica no ar a dúvida sobre esse processo se tornar realidade em tão pouco tempo. Essa possibilidade é praticamente nula e se a atual previsão de crescimento do PIB se confirmar em dezembro, já será um alívio.
Programa sem impulso
Lançado em março de 2009, durante o governo Lula, o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) estava destinado a subsidiar a aquisição da casa ou apartamento próprio para famílias com renda até 1,8 mil reais e facilitar as condições de acesso ao imóvel para famílias com renda até de 9 mil reais. O programa vinha atingindo razoavelmente seu propósito: o balanço feito em 2018 mostrou que 14,7 milhões de pessoas − 7% da população brasileira − compraram um imóvel com recursos do PMCMV. No entanto, devido aos efeitos da crise e às recentes mudanças em suas regras, as contratações de novos empreendimentos têm evoluído lentamente nos primeiros meses deste ano. De acordo com balanço fornecido pelo Ministério das Cidades, no primeiro trimestre deste ano, foram contratadas 72,6 mil unidades dentro do programa, o que corresponde a 12,7% da meta de 570 mil unidades que tinha sido estabelecida em 2017.
Segundo o CBIC, hoje, dois terços do mercado imobiliário compreendem o Minha Casa Minha Vida, o que, dado o atual panorama nebuloso, implica um alto grau de insegurança para as empresas do setor. “Se a arrecadação do governo cai, falta dinheiro para pagar o contrato. Para uma construtora lançar um empreendimento, precisa saber como a economia vai estar nos próximo três anos, quando o empreendimento estará sendo comercializado ou entregue, algo que, neste momento, é muito difícil de prever”, afirma o presidente da entidade, José Carlos Rodrigues Martins.
Obras paralisadas
Se a crise já reduz a confiança para o lançamento de novos empreendimentos privados, o que dizer então do investimento em obras de infraestrutura, que demandam recursos vindos do poder público? A restrição orçamentária do governo não só impossibilita a construção de novas obras como também tem provocado a paralisação de um grande número de obras já iniciadas.
Segundo a Pesquisa Anual da Indústria da Construção do IBGE, num período de dez anos, de 2008 a 2017, a participação das obras de infraestrutura medida pelo valor das construções, caiu de 47,4% para 32,2% no total geral. O estudo Construção: 1 milhão de empregos já, do CBIC ilustra essa queda afirmando que, conforme um relatório do antigo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, 4.738 obras estão paralisadas no Brasil, motivadas por inúmeras situações em que se destacam: falta de pagamentos, má qualidade do projeto, desapropriações e desinteresse do ente conveniado.
O estudo do CBIC traça um panorama completo e detalhado dessas obras, indicando suas causas e possíveis soluções, mas não consta que o governo tenha preparado alguma resposta às propostas que apresenta nas suas 144 páginas, começando pelas inúmeras causas dessas paralisações − que nem sempre têm a ver com a crise atual, mas também com as crônica mazelas do pode público, em suas três instâncias: federal, estadual e municipal. O levantamento feito para a sua elaboração revelou que já foram empenhados R$ 70 bilhões no conjunto dessas obras e que os governos envolvidos precisariam de outros R$ 40 bilhões para terminá-las.
“O novo ciclo de crescimento brasileiro virá pela retomada do investimento”, argumenta ainda o estudo, ressaltando ao caráter multiplicador do investimento feito na construção civil, leve ou pesada, isto é, habitacional, industrial, corporativa ou de infraestrutura. “Casas, edifícios, escolas e creches, hospitais e clínicas, indústrias, escritórios e lojas, ruas, estradas, pontes, viadutos, redes de telecomunicação, saneamento, iluminação pública, mobilidade urbana – esses são setores com ampla demanda por investimento e diretamente associados à construção, cujo o estímulo fará reaquecer esse setor e terá reflexo positivo sobre a economia como um todo.”
Propostas para o setor
Ainda de acordo com o estudo do CBIC, “a reversão da fase mais aguda da crise, comprovada por diversos indicadores econômicos registrados em 2018, impõe desafios novos e abre uma janela de oportunidade imperdível para o Brasil. É o momento de estimular os setores de resposta mais rápida e tirar do papel projetos que farão diferença na construção do desenvolvimento. É o momento de fomentar a infraestrutura, para dar competitividade à economia; o saneamento e a habitação, para dar dignidade ao cidadão. É o momento de estimular a indústria da construção para reverter o desemprego e gerar renda de forma sustentável.”
Para atingir o complexo objetivo de promover a retomada do crescimento econômico e, especificamente, da construção civil, o estudo do CBIC aponta uma ampla relação de temas que inicialmente precisam ser debatidos no âmbito do Poder Legislativo, tais como: implementação das reformas da Previdência e Tributária; revisão da legislação que hoje reduz a segurança jurídica; utilização dos recursos do FGTS na criação de uma nova faixa do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV); prorrogação do Regime Especial Tributário (RET) para obras do PMCMV; aperfeiçoamento da Lei de Licitações; regulamentação do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, de modo a evitar distorções em licitações; aprovação de uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental, que propicie regras claras, critérios objetivos e segurança jurídica para o empreendedor e o gestor público; gestão mais eficiente das áreas contaminadas; instituição de critérios claros para a suspensão provisória de obras públicas; retomada e ampliação dos investimentos em saneamento básico; revisão da Lei de Desapropriações, de modo a reduzir a transferência dos riscos à iniciativa privada; vinculação dos recursos obtidos por meio de operações de securitização de dívidas aos investimentos em infraestrutura; revisão da legislação referente à garantia da obra pelo construtor; ajustes na legislação sobre alienação fiduciária, para dar mais segurança jurídica aos envolvidos no negócio; e redução da burocracia e dos custos cartoriais.
Pode-se dizer, então, que propostas de soluções para reativar a construção civil, leve e pesada, não faltam − a iniciativa privada já fez sua ‘lição da casa’. No entanto, passados seis meses da entrega do estudo Construção: 1 milhão de empregos já! ao governo e a parlamentares, as autoridades da área econômica ainda não se manifestaram a esse respeito. Tudo indica que − como tem ocorrido com todas as medidas econômicas que têm sido proteladas − eles estejam aguardando a aprovação definitiva da reforma da Previdência.