Nesta entrevista exclusiva à Revista do Aço, o presidente do SICETEL−ABIMETAL, Ricardo Martins, avalia a situação e as perspectivas do setor de trefilação e laminação de metais ferrosos, a atuação do governo na atual pandemia e as primeiras medidas da reforma tributária que enviou ao Congresso
Revista do Aço − Como evoluiu o desempenho do setor representado pelo SICETEL−ABIMETAL no primeiro semestre deste ano?
Ricardo Martins − O primeiro semestre do nosso setor foi similar ao dos outros setores da economia brasileira. Em janeiro e fevereiro, tínhamos a expectativa de que este ano seria melhor do que o ano passado, mas, na segunda quinzena de março e primeira de abril, a maioria das empresas acabou fechando para garantir a segurança dos seus funcionários e por falta de condições para atingir as metas planejadas. Depois de fechar por 15 dias, a maioria das empresas do setor voltou a funcionar, mas os meses de abril e maio foram muito fracos, começando a melhorar em junho e, agora, em julho, está ocorrendo uma recuperação acima do esperado. Uma das explicações é que houve um consumo refreado durante os meses de março e abril. As empresas não realizaram as compras que tinham planejado e, agora, estão comprando num ritmo muito parecido ao de antes do início da pandemia, atingindo em torno de 90 por cento das expectativas anteriores.
RA − Essa retomada das vendas era esperada pelas empresas?
Martins − Não. Isso de certa forma surpreende porque ninguém esperava uma reação tão rápida e nos deixa com um otimismo cauteloso, em que não se sabe se essa situação vai se manter até o final do ano. Depois desse ciclo de consumo represado, é provável que ocorra um retorno a uma situação mais cautelosa, principalmente porque, quando acabarem as medidas do governo que permitiram reduzir o custo da mão de obra, muitas empresas podem entrar num processo de dispensa, que pode acabar prejudicando a demanda. Nossa expectativa é de que essa demanda se mantenha entre 80 e 90 por cento até o final do ano, mas daí em diante não temos mais condições de fazer previsões.
RA − Todos os mercados do setor tiveram o mesmo comportamento?
Martins − Quase todos, mas podemos excluir a indústria automobilística. Cerca de 45 por cento dos nossos associados fornecem a esse setor e, no final de maio, vários deles relataram que não emitiam uma única nota fiscal desde fevereiro. Agora, porém, parece que a indústria automobilística já está tendo uma retomada de suas vendas, que vão se ajustando aos patamares anteriores à pandemia. Nós trabalhamos com uma perspectiva de crescimento, mas a redução ocorrida em abril e maio não será possível recuperar e, muito provavelmente, vai haver uma perda no faturamento deste ano em relação ao do ano passado. Nossa expectativa é que o mercado se recupere totalmente e que talvez cresça um por cento em 2021.
RA − O que ocorreria no caso de a pandemia se prolongar e do mercado se retrair em vez de se recuperar?
Martins − Infelizmente, ocorreria uma demissão mais intensa, porque, quando se produz, a mão de obra é um insumo, mas quando não se produz significa um custo muito alto − e as empresas vão precisar fazer demissões. Existe uma lista relativamente grande de funções que eventualmente podem ser cobertas por automação. Como este ano tem sido ruim, ninguém investiu nisso, mas é muito provável que as empresas voltem a investir em automação para ficar menos dependentes da mão de obra. Por outro lado, outros investimentos que não visem reduzir o número de funcionários, simplesmente, não devem acontecer. Essas são as perspectivas negativas para o ano que vem. Na verdade, nós ficamos na incerteza sobre se virá ou não uma segunda onda da pandemia, ou se haverá ou não uma vacina. Se houver uma vacina e a vida voltar a um novo normal, nós temos a expectativa de crescer aquele um por cento que já citei. Mas se isso não ocorrer, é provável que ocorra o que acabei de dizer: demissões para reduzir a folha de pagamento. Neste momento, as empresas do setor estão impossibilitadas de fazer essa redução porque a maioria aderiu aos acordos de redução de jornada e suspensão de contratos autorizados pelo governo, mas mantendo o compromisso de garantir a estabilidade dos trabalhadores até outubro ou novembro. A partir daí as empresas já não terão mais essa obrigação e, se não houver um reaquecimento, por menor que seja, vão ocorrer demissões.
RA − Qual é a sua avaliação das iniciativas do governo na área econômica?
Martins − Por mais que o ministro da Economia ache que nós vamos ter uma recuperação em V, nós sabemos que a característica da nossa economia é de um W e que os grandes movimentos de retomada não se sustentam − é o chamado ‘voo de galinha’. Não há nenhuma política que sustente uma recuperação contínua e aquilo que poderia conseguir, que é a reforma tributária, infelizmente não sai do papel. Nós continuamos com todos os problemas que sempre tivemos. Essas linhas de crédito que o governo acabou disponibilizando foram de acesso muito difícil, através de bancos extremamente restritivos. Nós não entendemos por que tudo tem que passar pelos bancos privados, até quando o governo garante 80 por cento dos valores. Muitas empresas tinham caixa por seis meses, mas esses recursos já diminuíram bastante e, agora, elas são obrigadas a tomar empréstimos, mas, se eles não saírem, pode ocorrer um problema de inadimplência. Por isso nós acabamos tendo um otimismo cauteloso, porque a situação não está tão ruim quanto prevíamos, mas ficam sempre as questões relativas à pandemia e da dificuldade de suportar esses compromissos até o final do ano sem a ajuda do governo.
RA − Como o senhor avalia a atuação do governo nos últimos meses?
Martins − Nós vemos com bastante decepção o comportamento do governo durante toda a pandemia principalmente com relação ao setor público, que não teve redução de jornada − aliás, houve redução de jornada, com a adoção de home office e outras medidas, mas não foi cortado sequer um centavo nos salários dos servidores públicos. Enquanto todos trabalhadores do País foram sacrificados recebendo a metade ou até menos dos seus salários, o setor público ficou incólume durante todo esse tempo. E lamentavelmente o maior defensor desse corporativismo é o presidente da República, que diz não entender nada de economia, mas quer preservar os direitos dos trabalhadores do setor público. Também não se vê nenhuma redução no número de servidores; ao contrário, eles continuam aumentando. Depois vieram os acordos que o presidente Bolsonaro foi obrigado a fazer com o Centrão. Como ele não tem controle emocional e não pensa para falar, acaba sendo obrigado a ceder às pressões desse grupo político − uma armadilha em que ele prometeu nunca cair, mas acabou caindo até por culpa de sua própria língua.
RA − Em sua opinião, quais deveriam ser as prioridades da reforma tributária e o que não deve ser feito nela?
Martins − Paulo Guedes fala agora num novo imposto para desonerar a folha de pagamento e, para nós, isso não é aceitável, porque sabemos que, tradicionalmente, esse aumento de carga nunca vem acompanhado de uma redução na mesma medida. O governo diz ao Congresso que vai desonerar metade da folha e vai criar um imposto de 0,2 por cento, que é muito mais do que era antigamente na CPMF, porque, se não me engano, é pago tanto por quem paga quanto por quem recebe. Seja na condição de dirigente de entidade ou de cidadão, isso para mim é algo inaceitável. É muito improvável que o Congresso aceite alguma coisa e nós vamos sempre defender que a criação de mais um imposto é inaceitável. O governo precisa se ‘virar’ com os impostos que já recebe, fazendo cortes nos seus gastos, coisa que, talvez por não entender de economia, o presidente Bolsonaro não está disposto a fazer. Ele continua defendendo benefícios para alguns setores do funcionalismo. Assim, ele vai acabar criando duas categorias de brasileiros: os que vivem na economia real e trabalham e os que nem sempre trabalham tanto assim, mas que são beneficiados por sua iniciativa. Justificar o fato de não reduzir os salários do setor público com o argumento de que não vão ter reajuste até o final de 2021 é uma falácia. Isso só pode ser classificado como pura protelação.
SICETEL − ABIMETAL
O Sindicato Nacional da Indústria de Trefilação e Laminação de Metais Ferrosos (SICETEL) é uma Entidade de Classe Patronal sem fins lucrativos, fundada em setembro de 1934, que desde 1979 representa e defende os interesses das empresas processadoras de aço. A Associação Brasileira da Indústria Processadora de Aço (ABIMETAL) surgiu no final de 2018, em um momento em que as suas representadas buscavam uma nova forma de atuação.