Em entrevista exclusiva à Revista do Aço, o presidente do Conselho Administrativo da Associação Brasileira de Importadores de Máquinas e Equipamentos Industriais (Abimei), Ennio Crispino, analisa as perspectivas para a retomada dos investimentos no Brasil.
Por Ricardo Torrico
Revista do Aço − Como tem evoluído a importação de máquinas e equipamentos nos últimos dois anos?
Ennio Crispino − Um horizonte de dois anos é muito curto para se fazer uma análise, ainda mais levando em conta que o país atravessou uma recessão bastante significativa entre 2014 e 2017. Em 2018, houve alguma recuperação, mas ainda atrapalhada pela eleição presidencial. Este ano, o mercado vem apresentando uma melhora, mas ainda com números muito distantes do ápice que teve no período de 2006 a 2008, antes da crise americana do subprime. Os números de agosto e setembro de 2008 ainda foram muito superiores aos do mercado atual, mas no último trimestre e em 2009, foram muito complicados. De 2010 a 2013, durante o primeiro governo Dilma, quando os erros cometidos na condução da política econômica ainda não tinham surtido efeito, o mercado de uma maneira geral ainda se comportou, digamos, bem, mas num ritmo menor do que até 2008. Tanto os fabricantes nacionais como os importadores de máquinas e equipamentos apresentaram até então bons resultados.
De dez anos para cá, por força não só da crise brasileira, mas também pela falta de competitividade da indústria brasileira de máquinas, as posições se inverteram. Ou seja, ainda que o consumo de máquinas tenha caído por causa da queda na atividade industrial, hoje em dia consomem-se mais máquinas importadas do que nacionais. Quanto mais competitivo o empresário brasileiro quer ser, para adquirir alguns tipos de máquinas, ele não tem outra opção senão recorrer às importadas.
RA − A competitividade das máquinas importadas depende mais do preço ou da qualidade?
EC − A qualidade e a produtividade das máquinas importadas são os principais fatores que atraem o usuário. O fator preço é significativo quanto se trata das máquinas simples, que nós chamamos de convencionais, aquelas que dependem da habilidade do operador e não têm comando automático, como as máquinas com CNC. Essas máquinas convencionais são aquelas em que a indústria nacional perdeu o seu domínio, por terem se tornado caras frente às opções de fora, principalmente da Ásia. Isso porque o Brasil não tem uma escala de consumo que justifique fabricar esse tipo de máquinas. Então, com raras exceções, a indústria nacional deixou de fabricar esses equipamentos no Brasil e passou a trazê-las de fora. A indústria brasileira ainda tem alguns fabricantes de máquinas com CNC, mas, como também não conseguem fabricar em alta escala, infelizmente, não têm condições de investir em pesquisa e desenvolvimento e, consequentemente, não conseguem reduzir o gap com a tecnologia que vem de fora.
RA − Para reativar a economia, o governo está apostando nas reformas que estão em tramitação no Congresso. O senhor acha que elas são suficientes para provocar uma reativação, mesmo que seja tímida, nos próximo meses e em 2020?
EC − O mercado este ano não está apresentando a recuperação que todos nós desejávamos, tanto os importadores como os fabricantes nacionais e até o usuário final de máquinas, que precisa investir no seu negócio. Eu digo que ele precisa porque percebe-se claramente que há uma demanda reprimida, ou seja, um desejo de investir em novos equipamentos, que poderiam ser fornecidos tanto pela indústria doméstica quanto de fora. Mas os empresários ainda estão receosos, porque não se sentem seguros com os contratos que têm em mãos ou se vão continuar recebendo novos pedidos e no volume que eles esperam. A recente redução da previsão do PIB é um dado negativo, mas, por outro lado, a Volkswagen anunciou um investimento de 2,4 bilhões de reais em suas plantas de São Paulo. Notícias como essa também têm acontecido com freqüência. O problema é que todos esses investimentos − já realizados ou por realizar − ainda não têm se refletiram no mercado em geral. No caso da Volkswagen, por exemplo, dificilmente esse volume de investimentos se traduzirá na aquisição de máquinas. Parte deles, sem dúvida, só que a maior parte será feita em novas instalações industriais, como linhas de montagem, de pintura ou de automação. O que pode acontecer é que, quando a Volkswagen fabricar um novo veículo na sua planta de São Bernardo do Campo ou de São Carlos, isso significará novas compras dos sistemistas, das indústrias de autopeças, dos terceirizados − isso é o que dispara novos investimentos na cadeia automotiva. Nós sentimos que há uma demanda reprimida, mas o empresário tem receio de pôr em prática porque, primeiro, ele está esperando qual será a perspectiva da reforma da Previdência e, depois, ele que sentir se haverá uma sinalização positiva sobre a reforma tributária. Então, sempre existem fatores que influenciam. Nós achamos que o último trimestre deste ano será bom, porque, tradicionalmente, é um período em que muitas empresas, principalmente as multinacionais, precisam gastar as verbas projetadas em seus orçamentos. Acreditamos também num 2020 bem melhor, porque, no segundo trimestre deste ano, todo mundo achava que a evolução do PIB seria negativa, mas, surpreendentemente, apresentou uma alta de 0,4%.
RA − Quais são os principais fatores que inibem os investimentos em máquinas e equipamentos e que precisariam ser corrigidos pela reforma tributária?
EC − Mais do que a necessidade de uma reforma tributária, uma coisa que inibe os investimento em máquinas e equipamentos de uma maneira geral é o problema da falta de acesso a linhas de financiamento. As linhas do governo, como as do Finame e do Proger, que estão focadas em financiar os equipamentos produzidos no país, continuam existindo, só que os bancos que as repassam estão muito restritivos. Por exemplo, o Proger, que é de baixo custo, está praticamente com a ‘torneira fechada’. E quando existe dificuldade de acesso ao crédito, isso complica a aquisição de máquinas e equipamentos. Então, se pudéssemos dar uma sugestão − mas eu acho muito difícil que seja assimilada pelo governo −, é que todo investimento feito em máquinas e equipamentos, nacionais ou importados, não deveria ter impostos. O ICMS, por exemplo, deveria ser ‘zero’, o que é bem diferente de pagar esse imposto e depois ser creditado para ser recuperado em 48 meses, como é hoje em dia. Para nós, importadores, existe uma sinalização clara do governo com relação à abertura comercial. Cada vez mais, vai se tentar simplificar a concessão de ex-tarifários, que é a redução do imposto de importação para máquinas e equipamentos, que hoje é de 14%. Achamos que deveria ser reduzida a zero, desde que não exista similar nacional. Antes o critério era só de similaridade técnica, mas agora se passará a levar em conta também o prazo de entrega, o preço e a produtividade da máquina. Nossos colegas da Abimei costumam dizer que, quando você adquire uma máquina, seja nacional ou importada, junto com ela vem um carnê de recolhimento de impostos, porque tudo o que você produzir com a máquina vai ter que pagar imposto. E mais ainda: a despeito da cada vez maior automação que existe − que é algo inegável −, cada máquina adquirida poderá significar um posto de trabalho, não só para operá-la, mas também para fazer a sua manutenção, supervisão etc. Por isso é que o governo deveria dar um grande incentivo para as empresas renovarem o parque industrial.
RA − Em sua opinião, o custo do aço é um fator que reduz a competitividade das máquinas nacionais em relação à importadas?
EC − Dentre os insumos para a fabricação de um equipamento aqui no Brasil, o que menos pesa é a matéria prima, seja o aço ou os demais insumos. O que mais pesa é o alto custo das máquinas necessariamente importadas que os próprios fabricantes nacionais precisam comprar para ser capazes de fabricar suas máquinas. Ou seja, as máquinas necessárias para fabricar as peças para as máquinas nacionais são importadas e, como a aquisição de máquinas importadas é algo oneroso, isso acaba onerando o produto final que, neste caso, é a máquina nacional. Estima-se que a matéria prima pesa não mais do que 15% no custo da máquina nacional. Já as máquinas importadas necessárias para fabricar as máquinas nacionais pesam mais de 50%. Então fica evidente como seria benéfico, inclusive para os fabricantes nacionais, se tivessem acesso aos melhores meios de produção possíveis, que os concorrentes deles lá fora utilizam, permitindo-lhes oferecer produtos mais produtivos e com maior precisão. E isso acontece justamente porque eles não têm os encargos que incidem sobre o fabricante nacional.