A pandemia do novo cornavirus provocou um forte impacto na economia global e transformou a previsão de um crescimento moderado do PIB brasileiro, feita no início do ano, em uma drástica redução que certamente deverá ocorrer
Por Ricardo Torrico
Quando a edição anterior da Revista do Aço foi finalizada, no início de março deste ano, o Brasil, a economia e o todo o planeta viviam uma realidade muito diferente da atual. Naquele momento, o ‘novo coronavírus’ e a doença que provoca, a ‘covid-19’, já existiam do outro lado do mundo, mas ainda era um assunto alheio à realidade brasileira – muito distante da ameaça à saúde que hoje representa. Era ainda uma epidemia, mas não tardaria em se transformar em pandemia.
O primeiro contaminado brasileiro – uma pessoa que tinha voltado de uma viagem à Itália – foi detectado no final de fevereiro e a primeira morte veio a ocorrer na terça-feira 17 de março − e não foi daquele turista. Nos pouco mais de quatro meses decorridos desde essa primeira morte, o Brasil passou à condição de segundo colocado mundial de mortes, em números absolutos, e a ocupar um lugar de destaque em números relativos, com mais de 2,9 milhões de contaminados e 98,5 mil mortos, contabilizados no dia 6 de agosto. Se essa situação já é preocupante, mais preocupante ainda é a falta de perspectivas de uma solução no curto e médio prazos. É nesse contexto que tanto os cidadãos quanto as empresas precisam se ‘reinventar’ urgentemente para sobreviver.
Não demorou para se perceber que a maioria dos países não estava preparada para enfrentar a pandemia, tanto na Europa quanto nas Américas, cujos governos provavelmente foram condicionados pelo número relativamente baixo de óbitos – em torno de 3,5 mil –, contabilizado até aquele momento em que a China considerou a situação controlada. O resultado desse descuido tem sido funesto: no início de agosto, o total de mortos já chegou ao patamar de 715 mil em todo o planeta.
Na tentativa de combater o coronavírus, a maioria dos países recorreu a quarentenas – parciais ou totais –, um remédio amargo para suas economias e seus cidadãos, cujas consequências ainda não podem ser devidamente avaliadas. Já o Brasil, ao contrário dos seus vizinhos, que decretaram quarentenas radicais, adotou medidas mais ‘flexíveis’, quase erráticas, que acabaram colocando o país na condição de novo epicentro da pandemia.
Economia em quarentena
A drástica paralisação das atividades econômicas foi o efeito colateral imediato do combate à pandemia. O contato social pretendido pelas quarentenas implicou o fechamento de praticamente todos os negócios comerciais e de serviços. Com seus negócios impedidos de funcionar, os empresários se viram repentinamente privados das suas receitas − mas não dos seus custos. E, pior ainda, sem nenhum prazo em vista para a retomada dos seus negócios. A maioria não teve outra alternativa senão demitir, e o nível de desemprego, que já era elevado, cresceu mais ainda. As empresas, por sua vez, além do custo imprevisto dessas demissões, não têm como evitar os demais custos fixos inerentes às suas atividades, o que as coloca a um passo da falência. Dependendo do ramo de atividade, muitas empresas – principalmente as grandes e médias – precisaram se adaptar à novidade do home office. Cabe, porém, perguntar se essa solução pode ser aplicada a lojas, barbearias ou restaurantes.
O aumento do desemprego foi quantificado por um relatório divulgado pelo Ministério da Economia em 28 de julho, indicando o fechamento de 1,19 milhão de vagas registradas em carteira em todo o primeiro semestre de 2020 – o pior resultado para o primeiro semestre desde 1992, quando começou a série histórica do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Só no mês de abril, o saldo negativo entre as vagas geradas e perdidas foi de 918,2 mil, colocando em evidência o impacto da quarentena decretada no final de março nos grandes centros.
Do lado das empresas, a situação gerada pela pandemia tem sido igualmente preocupante. Com suas atividades parcial ou totalmente suspensas, viram-se na contingência de utilizar suas reservas financeiras eventualmente acumuladas para cobrir suas obrigações. Mas isso não significa que, passada a pandemia, tudo vá voltar ao normal do início do ano. Para muitas – principalmente as menores –, simplesmente não haverá retorno. Já as que sobreviverem precisarão se adaptar ao chamado ‘novo normal’, ou seja, um novo contexto caracterizado por novos protocolos de segurança, mercados em queda, custos de produção mais elevados e, principalmente, nenhuma certeza de estabilidade, dada a probabilidade de ocorrerem novas ondas da pandemia.
Impacto na siderurgia
Na indústria siderúrgica, a reação imediata das empresas siderúrgico foi a adoção de drásticas medidas de prevenção, como o isolamento social – na medida do possível – e a adoção dos protocolos destinados a evitar o alastramento da contaminação entre os funcionários operacionais, que não foram colocados em quarentena. “Todos os colaboradores que podem desenvolver suas atividades através do teletrabalho estão em casa, atendendo as orientações de isolamento social para conter a propagação do vírus. Para preservar a saúde dos colaboradores que permanecem nas unidades de produção, assegurando a continuidade das operações, foram adotadas todas as medidas e orientações dos órgãos de saúde, visando evitar o contágio da covid-19. A continuidade das operações nas plantas é vital para a manutenção de empregos, não só no setor, mas em toda a sua cadeia de produção, pois o aço é imprescindível nos projetos de infraestrutura, construção civil e na produção de bens essenciais à sociedade”, afirma o comunicado emitido no final de março pelo Instituto Aço Brasil em nome de suas associadas.
Exigindo a adoção de medidas preventivas, a pandemia também afetou sensivelmente a produção das usinas siderúrgicas e a demanda de produtos siderúrgicos. A produção brasileira de aço bruto foi de 14,2 milhões de toneladas no primeiro semestre de 2020, o que representa uma queda de 17,9% frente ao mesmo período do ano anterior. A produção de laminados no mesmo período foi de 10,0 milhões de toneladas, queda de 13,7% em relação ao registrado no mesmo acumulado de 2019. A produção de semiacabados para vendas totalizou 4,0 milhões de toneladas de janeiro a junho de 2020, uma redução de 12,2% na mesma base de comparação.
As vendas internas foram de 8,3 milhões de toneladas de janeiro a junho de 2020, o que representa uma queda de 10,5% quando comparada com o apurado em igual período do ano anterior. O consumo aparente nacional (produção − exportações + importações) de produtos siderúrgicos foi de 9,3 milhões de toneladas no acumulado até junho de 2020, o que representa uma queda de 10,5% frente ao registrado no mesmo período de 2019.
As importações alcançaram 1,0 milhão de toneladas no acumulado de janeiro a junho de 2020, uma queda de 17,0% frente ao mesmo período do ano anterior. Em valor, as importações atingiram US$ 1,1 bilhão, uma queda de 14,7% no mesmo período de comparação. As exportações atingiram 6,1 milhões de toneladas e US$ 3,1 bilhões de janeiro a junho de 2020. Esses valores representam, respectivamente, quedas de 8,1% e de 23,8% na comparação com o mesmo período de 2019.
Em uma entrevista realizada no dia 27 de julho, o presidente executivo do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes.Lopes, afirmou que “o pior já passou. Estamos em uma trajetória de retomada, o que é bom para o setor, bom para o país e bom para a indústria de transformação − mas não é o suficiente. Nosso grande dilema, agora, é aumentar o grau de utilização da capacidade, já que a taxa de ociosidade das siderúrgicas brasileiras está em 51,5%”.
Mesmo que a tendência de recuperação da produção se mantenha no segundo semestre, segundo Lopes, não será suficiente para evitar a consolidação de números negativos até o final deste ano. O Instituto Aço Brasil prevê quedas de 13,4% na produção de aço bruto em relação a 2019, atingido 28,2 milhões de toneladas, de 12,1% nas vendas internas, atingindo 16,5 milhões de toneladas, e de 14,4% no consumo aparente, atingindo 17,9 milhões de toneladas.