Com crise ou sem crise, a indústria nacional de máquinas e equipamentos precisa se manter em dia com as inovações disponíveis no mercado globalizado.
Por Ricardo Torrico
O Brasil faz parte de uma minoria de países que contam com uma indústria de máquinas e equipamentos, também conhecidos como ‘bens de capital’, ou seja, aqueles manufaturados metalmecânicos destinados a produzir bens de consumo. Esse segmento começou, décadas atrás, com o objetivo de atender à demanda dos demais segmentos do parque industrial brasileiro, mas atingiu tal grau de maturidade que chegou a exportar cerca da metade da sua produção. Hoje, porém, seu maior desafio é se manter competitivo em preço e qualidade, enfrentando a concorrência de países como China e Alemanha – uma tarefa gigantesca em que a chamada Indústria 4.0 é cada vez mais a nova referência das empresas e países que pretendem continuar concorrendo no mercado globalizado.
Já vai longe o tempo em que uma máquina podia operar de forma competitiva durante uma década ou mais, até que o custo de sua manutenção justificasse a sua substituição. Uma máquina comprada hoje, porém, pode até continuar com a mesma produtividade durante dez anos, mas certamente deixará de ser competitiva em menos de cinco anos.
Manufatura avançada
A Indústria da Indústria 4.0 – ou Quarta Revolução Industrial – surgiu na Alemanha, como parte de uma estratégia governamental para a informatização das fábricas. Seus conceitos e tecnologias estão presentes no Demonstrador de Manufatura Avançada, que vem sendo apresentado nas feiras de máquinas e equipamentos realizadas pela Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), com o objetivo de mostrar aos empresários do setor as tecnologias e avanços disponíveis para a obtenção de ganhos de competitividade. Composto pela linha de produção propriamente dita, um cockpit com os sistemas de controle e gestão do processo produtivo e clusters para apresentação das tecnologias empregadas, o Demonstrador apresentado na Feimec 2018 ofereceu uma visão de Realidade Aumentada, Comunicação Máquina a Máquina, Internet das Coisas, Inteligência Artificial e Realidade Virtual, que reproduz uma célula idêntica à física por meio de óculos HTC VIVE/WS.
A necessidade de o Brasil preparar o seu parque industrial à era da Indústria 4.0 levou a Abimaq a criar o GT-MAV – Grupo de Trabalho de Manufatura Avançada, que, desde dezembro de 2014, vem desenvolvendo trabalhos focados na promoção da manufatura avançada e automação industrial, robótica, manufatura aditiva, integração e comunicação máquina-máquina, bem como na obtenção de apoio do BNDES para viabilizar investimentos em automatização e no aumento de produtividade de linhas de produção. Coordenada pelo engenheiro Bruno Gellert, o GT-MAV reúne 62 empresas, tendo como objetivo comum a incorporação das mais recentes inovações tecnológicas às suas estruturas de produção e gestão. “Já existem empresas brasileiras que são referências em adoção de tecnologias da indústria 4.0. O ecossistema está sendo formado por fornecedores, consultores, políticas públicas e outros fatores que darão base para a adequação tecnológica”, afirma Bruno Gellert (veja também a entrevista).
Conciliar a demanda com a disponibilidade de capacidade de produção entre duas empresas é um exemplo de gestão avançada e a fórmula que tem dado certo para a Peerdustry Manufatura Compartilhada, empresa fundada e dirigida por Bruno Gellert. A ideia surgiu quando, trabalhando em uma indústria de máquinas, ele visitava clientes e ficava sabendo que uma empresa precisava temporariamente de uma determinada máquina, a qual estava disponível em outra. Fazer essa intermediação de uma forma sistemática entre um grande número de empresas cadastradas é a fórmula que tem dado certo na Peerdustry.
Máquina avançada
Exemplo de ganho de produtividade, garantindo o dobro da velocidade e economia de 40% a 70% no consumo de gás no corte com laser 2D, é o resultado oferecido pelos novos processos Highspeed e Highspeed Eco, apresentados pela Trumpf na Feimec 2018. “Não são máquinas novas, mas uma nova tecnologia para ‘retrofitar’ máquinas de 6000 e 8000 watts que já existem no mercado. O Highspeed é uma forma de ‘turbinar’ o laser e adiar a obsolescência dessas máquinas”, explica o diretor-presidente da TRUMPF Brasil, João Carlos Visetti. “Outra inovação que foi colocada no pacote para as máquinas de 8000 watts é o controle do foco em tempo real, que é algo que impacta na qualidade do corte e na velocidade”.
A TRUMPF também tem incorporado aos seus equipamentos a possibilidade de se fazer uma série de diagnósticos online, evitando a paralização e desmontagem da máquina para a verificação do problema. “Essa verificação logo poderá ser feita nos lasers, os quais serão ligados a um centro de manutenção para serem supervisionados em tempo real. O objetivo é realizar a detecção prévia de possíveis falhas, para que sejam realizadas atividades preventivas. Há ainda outras inovações sendo desenvolvidas pelo nosso pessoal de P&D, mas elas serão anunciadas oportunamente. Esse desenvolvimento só é possível porque a TRUMPF tem como uma de suas diretrizes investir dez por cento do seu faturamento em P&D”, completa Visetti.
INDÚSTRIA PRONTA PARA A QUARTA REVOLUÇÃO
Em entrevista exclusiva à Revista do Aço, o coordenador do GT-MAV da Abimaq e CEO da Peerdustry Manufatura Compartilhada, Bruno Diesel Gellert, afirma que, apesar das dificuldades econômicas do momento, as empresas brasileiras têm plenas condições de fazer frente aos desafios da Indústria 4.0.
Revista do Aço – Qual é o patamar de modernização do parque industrial brasileiro, em comparação com o de outros países industrializados?
Bruno Gellert – O Brasil possui uma grande diferença quando comparamos a idade média das máquinas instaladas com as de outros países industrializados. Mas a questão da adoção de novas tecnologias na área de manufatura ocorre de forma diversa em cada segmento de mercado. Por exemplo, a indústria automobilística, por ser uma indústria de escala, com produtos globais e com muita tecnologia de manufatura, conta com um nível de modernização das linhas de produção muito alto em suas plantas no Brasil.
RA – As indústrias nacionais costumam investir em inovações tecnológicas? Qual é o fator que inibe esses investimentos?
BG – A atual fase econômica do Brasil vem prejudicando muito o investimento em novas tecnologias de manufatura. Com um cenário pouco previsível pela frente, o empresário costuma ter uma grande dificuldade para tomar decisões de investimento. Os bancos e agências de fomento, por outro lado, vêm fazendo um forte trabalho para a criação de novas linhas de financiamento e investimento para que as empresas adotem novas tecnologias de manufatura.
RA – A indústria nacional de máquinas e equipamentos está em condições de oferecer as mesmas inovações disponíveis no mercado internacional?
BG – As novas tecnologias digitais estão se popularizando justamente pelo decrescente custo de aquisição. Os smartphones por exemplo, devido ao grande volume de vendas, foram vetores da redução de custos dos sensores e componentes eletrônicos que vêm puxando um dos pilares da Indústria 4.0. Sendo assim, os fabricantes de máquinas de todo o mundo, inclusive do Brasil, estão tendo a oportunidade de inovar seus produtos com basicamente a mesma oferta de tecnologia e, desta forma, estão surgindo diversos equipamentos construídos com as mais novas tecnologias. Outro ponto importante que deve ser ressaltado é a participação das startups industriais brasileiras. Trata-se de pequenas empresas de alta tecnologia, que desenvolver soluções para problemas específicos da indústria. Podemos citar sistemas de monitoramento de motores elétricos através de sensores de baixo custo ligados a softwares de inteligência artificial, sistemas de monitoramento de processos produtivos visando à redução de paradas de linhas, entre outros.
RA – Existe alguma linha de crédito ou política de incentivo à renovação das indústrias nacionais?
BG – Este é um tema que está sendo discutido muito atualmente e, em breve, teremos novas ofertas de linhas de financiamento focadas na Indústria 4.0. Alguns programas já existentes abrangem este ponto.
RA – As empresas nacionais têm condições de se adequar à Indústria 4.0?
BG – Sim. Já existem empresas brasileiras que são referências em adoção de tecnologias da Indústria 4.0. O ecossistema está sendo formado por fornecedores, consultores, políticas públicas e outros fatores que darão base para a adequação tecnológica.